DOMINICA PASCHÆ IN
RESURRECTIONE DOMINI
Litterae Ministri Generalis Ordinis Fratrum Minorum


Buscadores de Deus, testemunhas do Evangelho, em comunhão fraterna

É Páscoa! O que viste, Maria, de manhã cedo no caminho? E dos lábios daquela que um dia foi uma pecadora escutamos: «o meu Senhor glorioso,o sepulcro vazio». Desde os lugares mais remotos onde nos encontramos, Irmãos e Irmãs, façamos
nossa esta confissão de fé: «Verdadeiramente o Senhor ressuscitou» (Lc 24,34), enquanto assumimoscom renovada paixão a missão à qual nos convoca o Ressuscitado: «anunciar ao povo e dar testemunhode que Ele é o juiz dos vivos e dos mortos, constituído por Deus» (At 10,42).

Duas datas, um Kairós, uma oportunidade
Estamos em festa. O Senhor nos presenteiaduas ocasiões para que nosso coração se encha de gozo e exulte: o V Centenário da aprovação por parte do Papa Júlio II, com a bula Ad Statum Prosperum,da Regra da Ordem da Imaculada Conceição (Concepcionistas Franciscanas de Santa Beatriz da Silva), que aconteceu no dia 17 de setembro de 1511; e o VIII Centenário da Fundação da Ordem das Irmãs Pobres de Santa Clara, que se deu entre o ano 1211-1212. O V Centenário da aprovação da Regra da Ordem da Imaculada Conceição está em andamento e terá seu momento culminante no II Congresso Internacional das Presidentes das Concepcionistas Franciscanas e nos dias celebrativos que acontecerão na Casa Mãe de Toledo (Espanha), de 23 de maio a 3 de junho de 2011. O VIII Centenário da fundação da Ordem das Irmãs Pobres de Santa Clara iniciará no dia 16 de abril de 2011, com as primeiras vésperas do Domingo de Ramos, e será encerrado em 11 de agosto, Festa de Santa Clara, de 2012. Também para esta ocasião se está programando o II Congresso Internacional das Presidentes das Federações das Irmãs Clarissas, que se dará em Assis de 6 a 11 de fevereiro de 2012. Embora para cada uma dessas ocasiões eu tenha pensado em escrever uma carta particular, desejo nesta oportunidade anunciar-vos ambas as celebrações para que, Irmãos e Irmãs, todos unidos, como uma família, vivamos essas datas como um kairós, um momento de graça, para olhar o passado com gratidão, viver o presente com paixão e abrir-nos ao futuro com esperança (cf. Novo Millennio Ineunte, 1). Não vos parece, Irmãos e Irmãs, que o Senhor esteja a dizernos algo com a coincidência desses dois centenários? Tenho a intuição de que o Senhor queira dizer-nos duas coisas neste momento:
reforçar o senso de família e juntos buscar um futuro sempre mais significativo para nossa vida e missão.

Reforçar o sentido de família
No contexto da Vida Religiosa e Consagrada,sempre com mais força se insiste na dimensão “inter”,convite à ampla colaboração – que não deve ser, necessariamente, sinônimo de fusão – entre Entidades/Federações de uma mesma Ordem ou Instituto, entre as diversas Ordens/Institutos, sobretudo os que têm certa afinidade carismática, e entre religiosos e leigos, particularmente com os “associados”. Este apelo à colaboração não é só uma resposta à significativa diminuição dos religiosos e religiosas, particularmente no mundo ocidental, mas fruto de uma tomada de consciência da complementariedade fundamental de uns e outros e da convicção do enriquecimento recíproco. Se todos, para além de nossas diferenças, estivermos unidos “pelo compromisso comum do seguimento a Cristo” e animados “pelo Espírito”, então não podemos deixar de «tornar visível, como ramos da única Videira, a plenitude do Evangelho do amor» (Vita consecrata, VC, 52). Como dizia S. Bernardo,
“temos necessidade uns dos outros”. Ao levar em conta a diversidade, brilha a beleza daquilo que é próprio de cada um. Se isso é válido para todos os religiosos e se o
chamado a “manifestar uma fraternidade exemplar” deve caracterizar toda a Vida Consagrada (cf. VC 52), muito mais válido é para nós, porque partilhamos o mesmo carisma, como é o caso para os Frades Menores e as Irmãs Pobres de Santa Clara,
ou para aqueles que estão unidos não só por vínculos históricos, mas também espirituais, como é o caso dos Frades Menores e das Irmãs Concepcionistas Franciscanas de Santa Beatriz da Silva. É o momento de caminhar como Irmãos e Irmãs, permanecendo fiéis à própria forma de vida. É hora de assumir o dom da complementariedade como algo que enriquece a todos. Num mundo fragmentado e dividido, somos chamados a assumir, como missão própria, o ser signum fraternitatis, na complementariedade de uns com os outros, mantendo a peculiaridade de cada um.
Para potenciar a fraternidade exemplar e o signum fraternitatis, que já existem entre nós,
peço que, durante este tempo de celebrações centenárias, sejam promovidos momentos de encontro fraterno, que tornem possível a aproximação fraterna, o conhecimento recíproco e a mútua ajuda. Para isso considero importante uma renovada abordagem das figuras de Francisco, de Clara e de Beatriz, bem como dos textos fundantes das três Ordens: Regras e Constituições. A ajuda mútua, à qual somos chamados, pode desabrochar na reflexão e redescoberta em conjunto de nossa identidade, que, embora seja uma realidade dinâmica, requer alguns elementos irrenunciáveis e que nos tornarão significativos como família diante do mundo de hoje.
No campo da ajuda recíproca, os Frades podem oferecer às Irmãs a atenção fraterna e espiritual através dos assistentes e, possivelmente, através dos capelães, dos confessores e dos animadores de retiros; a colaboração na formação inicial e permanente, bem como na publicação de estudos sobre as Fontes; a promoção de uma pastoral vocacional adequada que, além do carisma franciscano, leve em conta também o carisma específico clariano e concepcionista. As Irmãs, por sua vez, podem ajudar os Frades, confiando-os a Deus em sua oração de intercessão; criando uma rede de oração pela fidelidade vocacional dos Frades e por novas vocações na Ordem; evangelizando-os com seu testemunho de vida contemplativa, vivida na simplicidade e pobreza; e convidando os jovens a seguir a forma de vida de S. Francisco de Assis. Convictos de que nosso carisma franciscanoclariano-concepcionista, em sua unidade e diversidade, tem muito a dizer à Igreja de hoje, a celebração desses Centenários serão profícuos na medida em que despertarem o melhor de nós mesmos em cada um de nós, a fim de viver com paixão nossa vocação e oferecer uma proposta vocacional credível a todos, especialmente aos jovens. Nessa proposta, que deve ser explícita e completada por adequada catequese e por acompanhamento personalizado, todos nós devemos sentir-nos envolvidos, mostrando sempre com nossa vida a beleza da entrega total de nós mesmos à causa do Evangelho, segundo a forma de vida que nos legaram Francisco, Clara e Beatriz (cf. VC 64). Caros Irmãos e Irmãs, nestas circunstâncias concretas que vivemos como família, sinto que o Senhor nos diz, mais uma vez, através do Apóstolo Pedro: «Amai-vos uns aos outros ardorosamente e com coração puro. Fostes regenerados (…) mediante a Palavra viva de Deus, a qual permanece para sempre » (1Pd 1,22-23). Além disso, sinto que, através da Igreja, o Senhor nos diz: “Criai entre vós vínculos de renovada comunhão, demonstrai entre vós uma fraternidade exemplar!”

Construir juntos um futuro mais significativo
Desde a fidelidade a Cristo, à Igreja, ao próprio carisma e ao homem de hoje (cf. PC 2), a Igreja nos convida a olhar o futuro, para o qual o Espírito nos projeta, a fim de realizar conosco ainda grandes coisas (cf. VC 110). Não é o momento de se lamentar.
É o momento para homens e mulheres corajosos dispostos a assumir os desafios das nossas origens e os do momento atual, e buscar, com lucidez mas também com audácia, uma resposta evangélica a esses desafios, reproduzindo com “coragem
o empreendimento, a criatividade e a santidade” de Francisco, Clara e Beatriz. É o momento da fidelidade dinâmica, “da busca de uma conformidade cada vez mais plena com o Senhor” (VC 37). Em tudo isso não faltarão dificuldades e provações,
mas essas, em vez de induzir-nos ao desânimo, devem ser o trampolim para novo impulso que torne mais significativa, evangelicamente falando, nossa vida e missão (cf. VC 13), sabendo que, para nós, não é tão dramática a diminuição quanto, sobretudo, o seria se viesse a faltar uma vida evangelicamente credível. Quais são os caminhos a percorrer a fim de entrar neste futuro, o qual desejamos que seja sempre
mais significativo e credível? Embora a busca continue, mas, ao levar em conta as indicações que nos vêm da Igreja e ao ver também por onde vai a Vida Religiosa em nossos dias, creio que devemos enfatizar alguns aspectos: • O primado de Deus e de Jesus. Bento XVI repetiu em diversas ocasiões que os consagrados por vocação são os que buscam a Deus. Neste contexto, o Santo Padre nos convida a passar das coisas
secundárias àquelas essenciais, ao que verdadeiramente é importante e definitivo, o que permanece (cf. Audiência, 26/11/2010). Impõe-se a convicção de que não há futuro para a Vida Religiosa se não partir da centralidade de Deus. O terceiro milênio será místico ou não será (R. Panikkar). Com o primado de Deus e também o de Jesus, ao qual prometemos seguir mais de perto (cf. PC 1), assumimos o Evangelho como regra suprema para todos nós (cf. PC 2). Como religiosos, não só desejamos fazer de Cristo o centro da nossa vida, mas nos preocupamos “por reproduzir” em nós mesmos aquela “forma de vida que o Filho de Deus assumiu ao entrar no mundo” (VC 16; LG 44). Nossa vocação e missão é fazer com que nossas presenças espelhem o rosto de Cristo, ao ser “memória viva da forma de existir e atuar de Jesus,… tradição vivente da vida e da mensagem do Salvador” (VC 22), manifestando esta vida e esta mensagem como valor absoluto e escatológico (cf. VC 29). Firmes na fé em Jesus, radicados na rocha,
que não se esfarela nem cede diante de ventos e tempestades, estimularemos a fé de nosso povo, renovaremos a esperança em nossos corações e reafirmaremos a confiança n’Aquele que para nós é tudo. Por outro lado, manter na prática quotidiana nosso direito à interioridade, à oração, à profundidade e serenidade, será o antídoto mais eficaz contra o crescente medo e a insegurança que paralisaram mentes e corações. A relação íntima com a fonte da Vida de nossa fé será a resposta mais convincente ao crescente secularismo, à preguiça intelectual, à cômoda indiferença, ao ceticismo e à superficialidade, à afirmação do ter sobre o ser, ao aburguesamento e à paixão pela eficácia de nossas obras. Hoje nos é pedido, principalmente, sermos homens e mulheres de Deus, homens e mulheres de profunda fé em Jesus Cristo. O carisma franciscano é parte dessa árvore que afunda suas raízes no Evangelho. • A vida fraterna em comunidade. Não se concebe a Vida Religiosa do presente e do futuro, muito menos ainda a vida franciscana-clariana-concepcionista, sem uma vida fraterna autêntica, dentro duma Igreja de comunhão, que seja resposta ao individualismo e ao egoísmo imperantes em nossa sociedade. Uma vida fraterna autêntica exige de nós, por outro lado, que nos sintamos testemunhas, artífices, pacientes construtores de comunhão, procurando sempre os meios adequados para recriá-la quando necessário e trabalhando para que a comunicação entre nós seja profunda e para que as relações dos irmãos e das irmãs sejam calorosas e verdadeiras. Numa vida de fraternidade, que busca o sabor franciscano, não podem faltar como ingredientes a simplicidade, a frugalidade e a liberdade interior em resposta à tendência de um consumismo desenfreado; a humildade e a minoridade, juntas com a coragem e o espírito de serviço, como resposta à fome de poder, de domínio e de triunfalismo; a gratuidade e a longanimidade, se desejamos ser sinais do perfume superabundante de Betânia e dar uma resposta ao implacável e impiedoso espírito de mercado e de exploração dos outros (cf. VC 104-105); a cordialidade, a magnanimidade e a misericórdia, se queremos ser exemplo de humanidade e resposta ao oficialismo, às relações virtuais, computadorizadas, frias e distantes; a reconciliação e o perdão, se quisermos ser sinais “humanizadores” e “humanizantes” e alternativa para uma sociedade cheia de tensões e ódios velhos e novos; a alegria no viver a própria vocação e a abertura à esperança que nos torna sinais de jovialidade simples e madura, e que oferece uma resposta positiva ao espírito de mal-estar e de resignação, à tristeza e a um certo tédio pela vida, e se apresenta como alternativa a uma sociedade intimista, imediatista e hedonista; e a profundidade,mãe da sabedoria, com uma vida interiormente unificada, como resposta a um tipo de existência acrítica e banal, feita de slogans publicitários, modas, navegação pela internet e flashes televisivos.

• A missão. Não há vocação sem missão, nem tampouco há missão sem vocação. Se no passado predominou a tendência de considerar a missão como uma atividade, a partir do Vaticano II se insistiu que a missão deve ser vista como elemento essencial do ser da Vida Religiosa em si mesma. Nossa vida é chamada à missão em si mesma, um modo de evangelizar, e há de ser considerada como condição prévia para o anúncio da Boa Nova. Tanto os Irmãos como as Irmãs temos de ser bem conscientes de que, para nós, a missão não consiste tanto numa função a realizar, mas nossa obra apostólica é, antes de tudo, a obra de Deus em nós mesmos, e que nosso instrumento apostólico a privilegiar é nossa própria pessoa trabalhada por Deus. A centralidade da Palavra em nossas vidas, da qual depende nossa renovação profunda (Bento XVI), irá transformando nossa existência até apresentar- nos diante do mundo como Evangelho vivo. Será isso o que vai nos converter em discípulos e apóstolos e nos capacitará para levar o Evangelho a todos, aos de perto e aos de longe (cf. Ef 2,17). As novas presenças, se quiserem ser realmente evangélicas e evangelizadoras, têm muito a ver com tudo isso.

Queridos irmãos, é Páscoa! Os orientais, neste tempo, se saúdam com esta aclamação: “Cristo ressuscitou!” E respondem: “Sim, verdadeiramente ressuscitou!”. Levemos essa Boa Nova a todos os que nos rodeiam. FELIZ PÁSCOA A TODOS E A TODAS!



Fr. José Rodríguez Carballo, Ofm
Ministro Geral, Ofm
Roma, Cúria Geral da Ordem
dos Frades Menores,
19 de março de 2011
Solenidade de São José
Prot. N. 101752

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